sábado, 16 de outubro de 2010

 

Amor Perdido «» [ o Fim ]


** Nilton César - Oração do Amor Perdido **


O nosso reencontro foi o que teria que ser. Falamos de coisas tão loucas, tão descontroladas, sem nexo algum. Eu continuava a não me reconhecer. Por fim em silêncio os nossos lábios se uniram e ela aprendeu a amar. Essa noite, contrariando a “imposição” da tia, saímos. Admirei a rebeldia dela para com a tia, confrontando-a com o seu estatuto de namorada. Para uma miúda de 17 anos, vinda do interior, sem experiência de vida citadina, foi arriscar, foi "queimar" o fio. Portou-se como uma verdadeira leoa.



No Domingo, dia 12 de Novembro, cerca das 21H00, dei entrada no R.I.20 e dirigi-me à enfermaria, onde tinha “sempre estado”. Na entrada da porta de armas não tive problemas, pois tinha tudo bem esquematizado. Na enfermaria tive uma desagradável surpresa. A minha ausência tinha sido notada e só esperavam o meu regresso para registo do tempo de ausência não autorizada, a fim de posteriormente ser-me aplicado o R.D.M. nas normas infringidas. Tinha sucedido que o sargento enfermeiro não tinha ido com a minha cara de "doente febril", terá percebido da "marosca" e no Sábado a meio da tarde foi de propósito ao regimento e à enfermaria e comprovou a sua certeza. Fui dado como tendo estado em ausência ilegítima entre as 17H de Sábado e as 21H15 de Domingo.
Passei a noite na enfermaria, de manhã fui conduzido até ao oficial de dia, a ocorrência foi registada e depois fui até ao Grafanil para cumprimento da tarefa de que tinha sido incumbido. O oficial disse-me que só depois de instaurado o processo e após os vários procedimentos e intervenções superiores é que sairia a aplicação da pena a cumprir. E isso ainda iria demorar uns tempos.
Parti no M.V.L. seguinte e fixei-me em Tomboco cerca de dois/três meses a fim de instalar e efectuar as diversas experiências com o novo aparelho de transmissões e dar uma espécie de “formação” sobre alguns procedimentos a ter com os equipamentos. O batalhão que lá estava era de origem madeirense, embora com algumas companhias continentais nele incorporadas.

** morro de Zau-Évua **


O tempo passou e o amor e a loucura se reforçaram, se solidificaram. Quando chegava a hora de dizer-lhe adeus nos meus braços ficava mais uns instantes e nossos corpos se fundiam num corpo só. A menina da savana estava a dar lugar a uma bela e amorosa mulher. Levava a saudade da felicidade que ela me proporcionava e dentro do meu coração a sua imagem comigo ia.

** no tempo em que nos conhecemos **


Lembro-me bem de algumas vezes minha mãe me dizer ...parece que nunca viste uma rapariga. Estás sempre “grudado” à moça, nem a deixas respirar. Um dia destes ainda te manda “passear” de tão “peganhento” que és. Larga a miúda, dar-lhe largueza... E eu sorria sem perceber porque é que minha mãe não percebia que tal largueza não era possível já que raramente estávamos juntos. E os poucos momentos que tínhamos tinham que ser vividos com a maior intensidade possível.
Decorria já o ano de 1973 quando, no dia 28 de Abril de 1973, saiu o castigo; »»dois dias de prisão disciplinar agravada««.



Como o tempo de comissão em Zau-Évua tinha terminado nada melhor que me mandarem para a Muxima, onde estive de Abril a Outubro desse mesmo ano. Não estive preso pois fazia falta ao exército e Muxima era por si uma meia prisão. Em Maio de 1974 fui amnistiado.
Assim termino este meu longo tema dedicado ao que terá sido o meu “Amor Perdido”.
Um dia, entre Abril e Maio/73, numa saída da Muxima a Luanda (aqui não era preciso "desenfiar-me"), não a encontrei. Procurei saber dela, o que tinha acontecido, para onde tinha ido, mas não obtive respostas. NINGUÉM me soube dizer coisa alguma. Nem a tia, porque não quis, nem meus irmãos, porque não sabiam, nem nenhum dos vizinhos.
Tínhamo-nos conhecido em Setembro de 1972. Como se magia tivesse acontecido desapareceu da minha vida, da minha existência, da minha visão, do meu espaço. Para sempre. Nunca mais a vi. Nunca mais dela soube coisa alguma. Apenas sei que fiquei só, amargurado por não obter respostas às perguntas feitas, perplexo por terem criado à minha volta um buraco negro do universo vazio, do desconhecimento, sem que eu soubesse qual a razão de para ele me terem atirado. Nem a Senhora da Muxima acalmou a minha sentida dor, o turbilhão dos sentimentos dilacerados, o choque emocional, o destroçar do meu interior, a minha angustia. Até ao fim da minha comissão na Muxima nunca mais fui a Luanda, ali, tão perto.
Razão pela qual refiro que houve um final que não foi fim, nem um até já, nem um adeus. Por tudo quanto aconteceu e sucedeu esta foi a mais desconcertante, estranha e complexa história de amor que jamais tive. Pela forma como começou, da forma como não terminou.

Não me disse adeus, quem sabe, talvez um dia eu saiba porquê.

Saudações e Inté
                     




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

 

Amor Perdido «» [ a Confirmação ]


»»Clicar para Tocar««
** Sharif Dean – Do You Love Me **


Mas no dia seguinte, como estava em casa, vi-a de novo quando fui ao quintal. Ou seja, conscientemente eu queria ir ao quintal para ver se a via. E lá estava ela, como se também estivesse a aguardar que eu aparecesse. Sorri, ela sorriu e começou o “galopar” do coração. Coisa estranha para mim pois nunca me tinha acontecido aquela forma de batida e já algumas tinham por ele passado. E para mais nem sequer sabia como era, se era miúda ou mulher, se baixa ou alta e outros pormenores físicos, pois eu continuava a estar no quintal e ela no 1º andar, tal como no entardecer do dia anterior. Creio ter ficado “atarantado”, sem saber o que fazer ou dizer, mas lá consegui por gestos “perguntar-lhe” se não descia. Queria vê-la, saber se era tão nova quanto minha irmã me tinha dito, como era e compreender qual a razão do estado de ansiedade com que tinha ficado. Ficou um pouco hesitante, pelo menos pareceu-me, desapareceu mas voltou logo de seguida. Também por gestos disse-me, mostrando um saco, que ia descer para ir à padaria e de novo desapareceu.
Devo ter “galgado” os degraus e “trespassado” as paredes ao ponto de minha mãe me ter perguntado o que me tinha dado, que “doideira” era aquela, pois num momento estava sossegado e num repente parecia um furacão.
Saí pela porta da frente e vi-a pela primeira vez, embora já de costas.
E senti que ela era a predestinada.



O “toque” do dia anterior, o “galopar” do coração momentos antes, o estar a vê-la a afastar-se e eu a contemplá-la como que paralisado deram-me a certeza. Apreço o passo. Ela olha para trás, vê-me e com o olhar faz-me um sinal. Olho para trás e vejo na varanda da frente a D. Lurdes, sua tia e protectora. Mas eu lá queria saber da tia ou de quem quer que fosse. O que naquele momento confirmei foi o magnetismo que entre nós já se tinha estabelecido no entardecer raiado do dia anterior. Não era possível duas pessoas que nunca se tinham visto comportarem-se de forma tão empática, tão emotiva, tão demasiado cúmplice. Olhei-a, agora de frente e da cabeça aos pés. Olhos acastanhados com luz do crepúsculo do amanhecer renovado, cabelos pelos ombros caídos como se um mar de sargaço fosse, lábios de morango para mim sorrindo, olhar de olhos límpidos de menina observando-me com serenidade, pele morena perfumada como as belas rosas de porcelana e dona de um sorriso que não cabia no tempo.



Sorri-lhe, continuamos e de forma impulsiva peguei sua mão. Senti que se retraiu e sem muito forçar procurou libertá-la da minha. Era uma mão quente, quente como as planícies da terra avermelhada no ocaso do Sol. Suavemente, mas com a firmeza da garra de leão a agarrar a presa, apertei-a mais. Olhou-me e deixou de fazer pressão. Foi a sua reacção natural face ao contacto inesperado. Mais sorrindo e contemplando-nos que conversando, fomos e viemos da padaria. Soube seu nome, disse-lhe o meu e fiquei a saber que ela já o sabia, pois a exemplo de mim também ela tinha perguntado à tia quem eu era. Também lhe disse que sabia o dela. O que não gostei foi de saber o que a tia lhe tinha dito de mim. Coisas de tia que tinha à sua guarda uma sobrinha com aquela beleza selvagem de apenas 17 anos.
Antes de entrarmos no perímetro visual das residências onde vivíamos retirou a mão da minha pois não queria que a tia a visse assim. Aceitei pois não pretendia comprometê-la logo no primeiro dia de encontro. E lá estava a D. Lurdes na varanda. Deixei-a à porta de casa, cumprimentei e conversei um pouco debaixo para cima com a tia e fui para casa. Mal entrado e levo um “sermão” de minha mãe ...agora percebi a tua correria. Chegaste ontem e já estás a meter-te com a rapariga. Deixa-a sossegada pois a tia já esteve a conversar comigo e não gostou nada do que viu...
Como eu sabia que de errado nada tinha feito, assim como sabia da “fama” que me atribuíam, não deixei que a conversa avançasse. Mas estava com um problema e tinha que o resolver rapidamente. Assim à hora do almoço pergunto a meu irmão Alfa se está com algum interesse na (.....) pois a Faty tinha-me dito que sim e eu queria saber. Ficou surpreso com a pergunta tendo-me dito que não estava interessado e devia ser confusão da mana. Que se eu quisesse podia “avançar” à vontade.

Assim, eu que me tinha “desenfiado” de Zau-Évua para mais uns dias gloriosos em Luanda vi-me envolvido no caso mais rápido e amoroso da minha vida. Nunca antes, nem depois, alguma vez isso me tinha acontecido. Estava a ser uma história de amor totalmente incompreensível para mim. Aquele não era eu. Passados uns dias verifico que “falhava” alguma coisa, pois não estava a controlar a situação da mesma forma que as anteriores. O que simplesmente não queria era admitir que o que me estava a acontecer era totalmente diferente de todas as outras vezes.
Ela não podia sair e eu ficava o dia a aguardar que ela saísse. Quando conseguíamos conversar logo aparecia a tia ou os primos, assim como os vizinhos que pareciam estar a “gozar” com o panorama, ou seja, comigo. Por vezes ao fim da tarde conversávamos encostados à porta de entrada mas devido aos sentidos apurados “sentia” que na parte de dentro a tia tinha descido e que estava do outro lado a tentar perceber, talvez, que género de conversa eu estaria a ter com a sobrinha, preocupada por certo com a "famosa fama" que me precedia.

** rua onde tudo começou **
** em fundo mana Faty **


Aquela situação não podia continuar. Os dias passavam, Luanda estava a deixar de ser “minha”, só conversar não era comigo e aproximava-se rapidamente o dia de partida para Zau-Évua. Algo tinha que mudar. E assim perguntei-lhe o que é que ela pensava de nós. Disse o que pensava, o que sentia, o quanto gostava de estar comigo, de conversar, de tudo enfim. De seguida perguntei se a tia falava com ela sobre nós, respondendo que sim, mas dizendo que éramos amigos. Fiquei surpreso com a resposta, mas compreendi. Mas, acrescentou, a tia tinha-lhe dito que não gostava de a ver comigo e que se eu pretendesse alguma coisa para além de conversar teria que primeiro ter uma conversa com ela. E foi assim que aconteceu o pedido de namoro. Pura e simplesmente estava “apanhado” e já não raciocinava com lucidez.
Pela primeira vez eu ia pedir a alguém que me deixasse "andar" com alguém.
Eu, que nunca tinha namorado, mas sim andado, ia fazer aquele “papel de atrasado mental”. Foi a primeira e única vez que oficialmente "namorei".
Disse-lhe que queria falar com a tia, se estivesse de acordo. Toda ela foi alegria, todo o seu ser sorriu e mais linda a meus olhos ficou. Subiu apressadamente as escadas, ouvi-a a falar com a tia que me deu permissão para subir. Continuava a não acreditar no que estava a fazer mas ela era a "doce culpada”.

Bom, lá falei com a D. Lurdes, que aproveitou para me querer dar um sermão (já éramos vizinhos há uns anos) sobre quais as minhas reais intenções quanto à sobrinha, que ela era uma menina e eu um homem feito, que a “fama” que tinha não era boa para ela e coisas do género. Mas enfim, atendendo a que a sobrinha dizia gostar de mim, por causa do “falatório” da vizinhança e por eu daí a uns dias já não estar, autorizava o namoro. Mas eu que não pensasse em sair com ela à noite, nada de encontros a sós e toda aquela "conversa" do costume quando os namoros são “formalizados”. Descemos e vinha mais que leão enfurecido por três razões; a primeira era a história da “fama” que francamente já me aborrecia, pois nada havia que justificasse tal rotulagem. Era ridículo esse preconceito existente a meu respeito. Só faltavam dizer ...filhas, sobrinhas, netas, e sei lá mais o quê, resguardai-vos pois chegou o “predador"...
A segunda foi a insensibilidade com que disse que autorizava pela simples razão de também saber que daí a uns dias eu já estaria fora de “circulação”. Aquilo não podia ter sido dito. O meu amor-próprio estava ferido com aquela ligeireza de análise. Não me estava realmente a reconhecer, pois noutra situação ter-me-ia de imediato retirado e a sobrinha tinha ido à vida.
Por fim a terceira era a de ...””nada de saídas, nada de encontros a sós, nada de eu procurar "avançar", etc., etc””... Então se era para nada de nada porque autorizou!!.
Chegou o dia de partir, mas sabia e sentia que muito de mim ficava nela. Assim como sabia que muito dela ia comigo. O regresso a Zau-Évua foi terrível, foi emocionalmente desgastante. Ainda ia a caminho e já estava a pensar na próxima vinda.

** outra perspectiva de Zau-Évua **


O mês de Outubro foi demasiado longo para mim e talvez para ela. Tinha-lhe dito na véspera da partida que daí a quinze dias estaríamos de novo juntos e não consegui cumprir esse nosso desejo. Nos dois M.V.L. seguintes “desenfiaram-se” outros companheiros e dentro da ética e compromissos existentes, as regras eram para se cumprirem. Hoje uns, amanhã outros. O M.V.L. realizava-se de quinze em quinze dias e no mês de Novembro queria ser eu a ir, desse por onde desse.
A separação era demasiada. Sentia já uma saudade imensa do pouco tempo que com ela tinha estado. O sangue queimava os canais por onde circulava, a febre apossava-se do meu corpo que de frio tremia. As noites já não tinham luar, nem as estrelas brilhavam. Sentia como nunca senti a frescura da noite e o calor que queimava nas horas quentes. Sobre o capim ondulante pela brisa do entardecer vislumbrava-a com os longos cabelos soltos ao vento e no silêncio do crepúsculo do ocaso revia o entardecer de quando a tinha pela primeira vez visto.



Via o tempo, o tempo das nossas vidas que se cruzou, e que me fez compreender que existia um outro tempo que passava sob a forma de uma Lágrima que do céu caia no meio da savana e tremule se afastava, percorrendo um longo caminho que terminava nos pés dela, comigo, a seu lado.
E Novembro chegou e o M.V.L. passou e eu nele ia. Mas as coisas não estavam a ser como eu queria que fossem. Estava oficialmente em serviço e tinha que me apresentar no R.I.20 a fim de preparar junto do Grafanil a obtenção de um novo aparelho para as transmissões do aquartelamento em Tomboco, tarefa de instalação que ia ser desempenhada por mim, a exemplo do que tinha acontecido em Ambriz. E não tinha autorização para ausentar-me do R.I.20, pois a guia de marcha não o permitia.
Então eu estava em Luanda e não saia do regimento?! Ia ficar o fim-de-semana “aprisionado” no aquartelamento e não ia poder estar com quem eu desejava ardentemente estar?! Era o que se haveria de ver. Lá é que não ficaria, nem que tivesse que fazer asneirada. E dentro destes pensamentos engendrei uma ideia bastante “doentia”, que era a de ficar doente, dar baixa na enfermaria, deixando assim de responder às chamadas e com alguma habilidade e colaboração dos enfermeiros arranjaria um esquema para me “desenfiar”.
Se o pensei, assim o fiz. Falei com os dois enfermeiros que iam estar de serviço no fim-de-semana, contei-lhes uma “estória” de fazer chorar as pedras da calçada, mostraram-se compreensivos e foram solidários. Dei baixa e fiquei na enfermaria. Inventou-se uma febre qualquer para constar na ficha médica, ficha essa que iria ser vista pelo sargento enfermeiro. Tudo parecia bem preparado e às 15 horas do dia 11 de Novembro de 1972 (Sábado) “desapareci” da enfermaria, rumo a casa.

...No mesmo dia 11 de Novembro, mas de 1975, deu-se a independência de Angola...

[ continua ]




domingo, 3 de outubro de 2010

 

Amor Perdido «» [ o Inicio ]


Confesso que pensei bastante se deveria ou não escrever este tema dedicado a recordar alguém que terá sido a que mais me “marcou” emocionalmente naqueles meus jovens mas já adultos anos. Não que tenha qualquer receio de quem no presente o possa ler, nem de nenhum “fantasma” do passado. A esse e a outros níveis sou totalmente desprendido, pois é-me completamente indiferente o juízo de valores que a meu respeito possam tecer. Mas a delicadeza do tema ao fazer-me retornar às memórias desse tempo longínquo compreendido entre 1972 e 1973 poderia “avivar” o que ainda não “morreu”, pois concluo que esse alguém sempre terá ficado bem no meu íntimo, num qualquer recanto do meu ser.
A imagem e a recordação dela tem sido transversal a todos os anos que medeiam o tempo em que a conheci até aos dias de hoje. E questiono-me … Porquê! E este porquê engloba todas as interrogações imaginárias e inimagináveis. É como que um grito que pelas montanhas e vales ecoa, sabendo que nem o eco receberei como resposta.

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** The Righteous Brothers – Unchained Melody **


Ainda recentemente ouvi de minha mana mais nova quando conversava sobre a que hoje vou recordar: ...pois é meu irmão, não há duvida que essa moça ter-te-á marcado para sempre mas tu na altura eras como um beija-flor. Procuravas pousar em todas as flores que pudesses e encontrasses pelo caminho, sorvias o mel e depois “voavas” para outra e agora verificas que muito de ti ficou agarrado a ela. Nem o tempo consegue fazer esquecer nem colar os cacos em que deves andar...
Não rebati aquela reflexão de minha irmã porque este caso não foi como outros anteriores, nem como os que se seguiram. Este foi totalmente e inesperadamente diferente, sublime. Só ela, ao ter entrado no meu mundo da forma que entrou, conseguiu que eu fizesse coisas e criasse situações que nunca antes nem depois jamais terei feito. Inclusive o facto de pela primeira e única vez na minha vida ter-me “sujeitado” a parecer um “atrasado mental” quando tive que a pedir em namoro. Eu, perto de fazer 22 anos, nunca tinha permitido “autorizar-me” a ter esse tipo de procedimento de procurar obter permissão. Eu é que permitia se andavam ou não comigo e nunca outros. Ter que obter o “aval” não fazia parte do meu dicionário comportamental. Aliás já tinha dito mais que muitas vezes que nunca andaria com alguém cujo passo seguinte fosse o de “formalizar” esse “andar” e até gozava com os amigos que se “sujeitavam” a esse, para mim, constrangimento. Mas ela foi particularmente em tudo “especial” desde que pela primeira vez a vi, passando por esse “embaraçoso” momento.
Até no final que não foi fim, nem um até já, nem um adeus, nem um talvez um dia, ela conseguiu ser diferente. Ainda hoje permanece esse misterioso mistério, esse interrogar, essa busca em torno dos muitos Porquês de ter-se de um momento para o outro volatilizado, desaparecido, esfumado, como se nunca tivesse existido, como se tudo tivesse sido por mim imaginado em estado de coma febril prolongado. Razão pela qual refiro que a reflexão de minha mana neste caso bem particular da minha vida não tinha cabimento, pois em nada de nada foi como os outros. E é esta que foi, e ainda é, a mais desconcertante história de amor que um dia me aconteceu que quero partilhar através deste meu Reviver.
Porque eu mereço, porque ela merece, porque ambos merecemos. Sei que tudo são recordações, mas penso que as ilusões também nos ajudam a viver, pois recordar é viver e eu, neste recordar, sei que a quis como a nenhuma outra jamais terei querido.


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Desde Março de 1972 que estava em Zau-Évua, um ponto no imenso mapa de Angola onde apenas se situava a unidade militar. Um aquartelamento preparado para um batalhão (cerca de 550 militares) estava ocupado por uma companhia (uns 150 militares). Era uma área bastante dimensionada para que a vigilância e patrulhamento nocturnos, e mesmo diurnos, se pudesse fazer de forma eficaz. Pensávamos estar a salvo por estarmos protegidos pelo arame farpado, como se num campo de concentração estivéssemos, mas se o “IN” quisesse entrava por ali à vontade e pegava-nos praticamente com as “calças nas mãos”. Obviamente que não seria bem assim, mas …

** panorâmica de Zau-Évua **


Ainda hoje eu, e por certo muitos dos que lá estiveram, interrogamo-nos do porquê da existência daquele aquartelamento naquele deserto. Zau-Évua era um lugar insuportável devido ao calor e humidade, um lugar inóspito, vulnerável a ataques e de isolamento total. Os únicos humanos éramos no momento nós, a CCAÇ 105/72, já que outras companhias e batalhões tinham lá estado antes e depois. Em redor da zona militarizada a vegetação era a mais baixa possível, pois procurávamos manter a zona sempre capinada, pelos motivos mais que óbvios. Como companhia não humana tínhamos bastante caça, com muitas pacaças, burros do mato e corsas. Relativamente “perto” (em África nada é perto) passava o Rio M’Pozo onde por vezes se praticava a pesca à “granada” a fim de termos uma dieta diferente da quase sempre igual (carne e enlatados). Também aproveitávamos para darmos uns bons mergulhos e braçadas, sempre com protecção, não fosse o diabo tecê-las.

** Mendes, condutor, numa boa banhoca **


Mas sobre Zau-Évua e o que se pode designar pelo seu sindroma prometo escrever alguns temas com estórias bem interessantes. Tendo este “oásis” como paisagem só tinha uma alternativa que era a de “desenfiar-me” para Luanda sempre que pudesse. Posso agora dizer que dos 12/13 meses de comissão naquele degredo terei andado na totalidade uns 3 meses “desenfiado”. Tinha bons camaradas, o comandante era capitão miliciano e isso fazia a diferença no comportamento e relacionamento humano.

** o repouso do "guerreiro" **

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Luanda. Setembro do ano de 1972. Estava de novo e mais uma vez “desenfiado” através da coluna do M.V.L. (Movimento de Viaturas Logísticas). Ia estar uns bons dias em Luanda pois o próximo M.V.L. só sairia no Sábado da semana seguinte. Durante esse tempo os meus companheiros em Zau-Évua “aguentariam” a minha ausência. Praticamente éramos sempre dois dos nossos (transmissões) a “desaparecer” e mais alguns do restante da companhia. Por vezes chegavam a estar mais de dez “desenfiados”. O importante era não nos metermos em problemas ou confusões que metessem policia, pois aí estaríamos “tramados” e a rigorosa disciplina militar far-se-ia cumprir. Além disso também não se podia comprometer os camaradas que davam "cobertura" aos ausentes. Todos tínhamos que andar com bastante cuidado e não dar muito nas vistas, mesmo durante o trajecto do M.V.L. Chegado a casa a surpresa do costume, neste caso somente de minha mãe, já que meu pai e irmãos estavam a trabalhar. Um bom banho retemperador (sempre tinham sido cerca de 500 kms e umas 40 horas de viagem entre picadas de pó e estradas de asfalto) e eis-me pronto para uns dias de "férias".
Sendo fim de tarde fiquei a aguardar que meus irmãos e meu pai chegassem dos trabalhos e vou até ao quintal para meter-me com o Nilo, o nosso cão rafeiro. Cumprimento os vizinhos e estou há algum tempo com eles na cavaqueira quando por acaso olho para o 1º andar e vejo um rosto desconhecido e uns longos cabelos caídos sobre os ombros, pois quem era encontrava-se debruçado no parapeito da varanda.



A visão foi fugaz já que ao meu olhar meteu-se para dentro e deixei de a ver. Continuei na conversação mas senti algo de estranho dentro de mim. Tanto que quando meus irmãos chegaram e depois dos abraços e da satisfação de estarmos novamente juntos, puxei minha irmã para o lado e perguntei-lhe quem era e como se chamava a moça que eu tinha visto na varanda da D. Lurdes. Ela riu-se e disse mais ou menos isto …""acabas de chegar e já estás a querer pousar! É uma sobrinha da D. Lurdes, chama-se (.....) e está cá há pouco tempo, veio do interior. Mas não tentes nada pois o Alfa (nosso irmão) parece que anda interessado nela e tu daqui a uns dias já cá não estás. E também é bastante nova para ti""…



Bom, se era assim como minha irmã dizia tudo bem. Nem sequer perguntei ao mano Alfa coisa alguma, pois o que pensei foi após o jantar sair para a vida da Luanda nocturna.

[ continua ]