terça-feira, 17 de março de 2009

 

Jogar à Bola


** Les Chats Sauvages – Oh Lady **


Mais uma incursão pelas minhas memórias, onde apenas procuro rememorar alguns momentos desses meus tempos de juventude, de como os passei na vertente desportiva no meu sempre eterno Bairro de S.Paulo/Luanda.
Ao mesmo tempo lembrarei alguns nomes dos amigos que comigo caminhavam nesse relógio do tempo, no marcar das horas da vida intensamente vivida.
****************************************************
****************************************************

A actividade desportiva que mais atrai os jovens é sem dúvida o futebol.
Desde que haja uma bola logo aparecem, como por artes mágicas, jovens para disputarem um jogo, sem que o local onde se realiza a disputa da bola seja o mais importante. Joga-se nos ringues e pavilhões das escolas, nos jardins, nos descampados ou nos passeios das ruas de cada bairro. Qualquer sitio é bom, desde que haja bola. Mais tarde experimenta-se, se possível, ir treinar a um clube jogando-se assim num campo com medidas, pelo menos as mínimas, nem que de terra batida seja.
Neste meu tema, campo com relva só como miragem, pois nem o velhinho Estádio dos Coqueiros na época a tinha.

** Estádio dos Coqueiros **


Como jovem que fui não fugi a esse “designo” tendo também jogado o futebol de bairro e em descampados, fazendo mais tarde uma incursão pelo futebol de clube.
O futebol de escola já há muito que o tinha deixado de praticar, pois bastante cedo (11 anos) comecei a "trabucar".

Luanda, Bairro de S. Paulo, Rua do Vereador Prazeres, onde vivi de Fev./1962 a 1966/7.

Quase todos os dias ao entardecer jogávamos à bola no largo passeio ao lado do qual os maximbombos da linha 4 (S.Paulo) faziam o término. As vivendas geminadas onde vivia o casal Oliveira (pais do Tonito), o Ernesto/Marília e a família Adriano, entre outros, faziam de “linha lateral”, enquanto a outra “linha” era a berma do passeio/estrada. O espaço lateral da Casa Lisboa também era o prolongamento da linha imaginária para “bola fora”. Uma grossa árvore existente no fim do passeio “virado” para as bombas da Shell fazia de poste, enquanto o outro poste era marcado com uma pedra ou algum outro objecto que desse nas vistas. Aí era uma baliza. Um dos postes da baliza contrária era uma pequena e frágil árvore que ficava um pouco além do terminal dos maximbas, e repetia-se a cena de se marcar o outro poste com o que estivesse à mão.
Os “residentes” da bola eram quase todos da mesma rua; eu e meus manos Mário, Alfa e Tony e os amigos Cid, Tonito, Aníbal, Filó, Walter, Flávio, Carlitos, Jorginho, Zé Pedro e Valente. Na falta de um ou outro aparecia, embora raramente, o Carlos Alberto ou o Pedro (empregado negro do Sr. Mota, que tinha interesses em fazendas de café), ou então “convidava-se” algum kandengue que fosse a passar e as equipas ficavam completas. Caso não existisse essa possibilidade, uma equipa jogava com cinco (5) e a outra com seis (6) e depois ao mudar-se a de 5 ficava com 6 e a de 6 com 5. Já praticávamos a democracia e a igualdade representativa. Por vezes, naquele espaço tão exíguo, chegávamos a jogar sete (7) contra sete (7). É evidente que quando isso acontecia era mais algazarra que jogo, ao ponto de alguns de nós, os mais “velhos”, rirmo-nos com o burlesco da situação e aí saíamos para dar espaço de bola aos ainda kandengues.



Aos gritos de … “bola fora”… “não foi”, “foi golo”… “não foi nada”, assim se passaram os dias, semanas, meses, anos, para satisfação de todos nós e dos adultos (Sr. Amadeu, Sr. Oliveira, Ernesto, Sr. Cruz, Sr. Martins) que nos incitavam e de certa forma procuravam, na brincadeira, interferir no jogo. Por vezes o Sr. Manuel, da Casa Lisboa, saía do estabelecimento para avisar … “se partem algum vidro das montras já sabem”… “os vossos pais vão ter que pagar”. E obviamente algumas das garinas da rua também apareciam para verem alguns dos seus apaixonados “secretos” (eram tão secretos que só elas é que sabiam quem seriam, pois penso que nunca nenhum de nós deu por ser um deles !
Com os rostos afogueados e transpirados lá se acabava o jogo com um “amanhã queremos a desforra”. E de “desforra” em “desforra” os “miúdos/jovens” foram jogando e crescendo.

Mais tarde, quando mudei para a Rua do Lobito, sempre no Bairro de S. Paulo, os jogos eram disputados no descampado ao lado da escola primária então construída. Eram mais viris, mais duros, de maior contacto fisico, já não eram de brincadeira.
Alguns jovens da Rua de Benguela e da Casa Branca, para além de outros da Vereador Prazeres constituíam as equipas de nove (9)/onze (11) contra igual número contrário.
Resta dizer que com a saída da m/família da Rua do Vereador Prazeres os jogos naquela rua deixaram de se praticar pois, para além de sermos quatro irmãos, eu, Mário, Alfa e Toni (quase uma equipa de cinco), éramos também a “alma” de motivação para os outros.
Nesta nova rua marcavam-se os jogos com antecedência e eram jogados aos Sábados à tarde por ser o único dia da semana, para além do Domingo, que se prestava para isso, pois o pessoal estudava ou trabalhava até às 13H30 de Sábado (era a chamada semana inglesa). Havia quem fizesse de árbitro e a “coisa” piava mais fino. Era jogo de rua contra rua, ou de bairro contra bairro, quando juntávamos o pessoal da Rua do Lobito/Vereador Prazeres/Benguela e jogávamos contra a Casa Branca/Sambizanga (Sambila). Nada havia em disputa a não ser o jogo pelo jogo. A rua ou o bairro tinham ganho à outra rua ou ao outro bairro e esse era o motivo e a motivação bastante.
Já atraíamos outro tipo de “espectadores” pois o Bar Cravo (que estava quase sempre cheio aos Sábados à tarde) ficava logo ali ao lado, além de virem outros adultos das ruas ou dos bairros dos que jogavam.

Depois passou-se a jogar aos Domingos de manhã num pelado muito maior existente no gaveto entre a António Enes e a Rua de Quicombo, inicio da Casa Branca. Em redor do campo a multidão já era mais que muita, os jogos começaram a tomar proporções diferentes, já se procurava ter equipamento igual, os g.redes usavam luvas e joelheiras, árbitro, bandeirinhas (embora fossem dos bairros). Era S.Paulo v Casa Branca v Lixeira v Sambizanga, chegando a entrar também a representação do musseque Mota. A dado momento aquele género de futebol deixou de ter interesse para mim e abandonei o futebol de bairro e de descampados.

Pensando que talvez desse em “craque” fui, aí com uns 18 anos, fazer uns treinos ao Atlético de Luanda no tempo do Queirós, (o Juvenal estava no ASA), e julgo que o Caçador, que morava na Rua de Benguela, já estaria no Benfica. Mas como o campo de treinos do Atlético ficava para a Estrada de Catete (para os lados do Bo. da Madame Berman) e eu não tinha transporte próprio, para além do facto de os transportes públicos para aquela zona serem raros, os treinos serem nocturnos e não existir iluminação minimamente capaz, desisti antes que me dispensassem, pois era um “caceteiro” de primeira ordem e alguns colegas de equipa já se queixavam da minha dureza nas entradas.

Com a m/ entrada no B.P.S.M. constituiu-se uma equipa de futebol de onze, sendo essencialmente composta por:
G.redes – Aníbal (sobrinho do Cabrita);
Defesas – eu, Dinal, Honorato e Lopes;
Médios – Graça, Teixeira e Veríssimo;
Alas e avançado – Henrique, Mário e Zeca Pinto

* clicar para ampliar *
** Recorte do Jornal Angola **

Fizemos alguns jogos treinos no campo do Ferrovia e no de S.Paulo com outras equipas, a fim de nos mantermos em actividade enquanto se aguardava a realização do Torneio Experimental de Futebol, que não se concretizou devido á situação de insegurança que na data (1975) se começou a viver em Luanda. À medida que alguns desses meus colegas de trabalho iam “abandonando” Angola, começamos a ficar com o quadro de “jogadores” reduzido para a prática do futebol de onze. Assim, mais tarde, constituímos no B.P.S.M. uma equipa de futebol de salão.

Após a independência de Angola, realizou-se em 1976 um Torneio de futebol de salão para comemorar o 1º aniversário da independência de Angola. De jogo em jogo chegamos à final, sendo o outro finalista a F.T.U. (Fáb. Tabacos Ultramarina), cuja unidade fabril, como bem se lembram, ficava para os lados da FIL.
A final realizou-se no pavilhão da Cidadela de Luanda que se encontrava literalmente cheio, com a presença na tribuna VIP do então Ministro da Educação e Cultura António Jacinto, o único ministro de raça branca do 1º Governo da República Popular de Angola. Que seria quem entregaria a taça em disputa.



O jogo decorria com alguma intensidade, pois ambas as equipas queriam mesmo ganhar o troféu em disputa. Nas bancadas os adeptos “tabaqueiros” “provocavam” os adeptos “bancários” mostrando e acenando com algumas dezenas de volumes de maços de tabaco. Na altura havia alguma dificuldade em os obter, devido à redução na produção por insuficiência de formação técnica dos meios humanos existentes. Os “bancários” respondiam mostrando os Kwanzas (a nova moeda angolana surgida em fins de 1976).



E de “provocação” em “provocação” entre os apoiantes, o jogo também entrou numa fase de “esquentar”. Pressentia-se que algo poderia acontecer, dada a forma mais que viril com que se entrava nos lances. Até que em dado momento um dos nossos levou uma cacetada de tal ordem que fez com que se estalasse a maka. E que maka. Todo o mundo que jogava se envolveu na pancadaria que se seguiu. Os adeptos também se “embrulharam” na confusão e foi tudo à cacetada e fé em Deus. Dei por mim a descer os degraus das bancadas em direcção ao recinto, com os chinelos de sola em madeira nas mãos a distribuir “lenha” a torto e a direito. Convém aqui dizer que embora tivesse feito alguns jogos da fase de apuramento, nessa final eu estava na bancada, pois sempre fui “duro” de rins e não muito tecnicista. E aquela final obrigava a mais técnica que “dureza”.

Perante o caos instalado deixaram de estar criadas as condições para o árbitro poder pensar em reiniciar o jogo, já que a confusão e a pancadaria continuavam (pessoalmente penso que foi o despoletar de “muita coisa guardada há vários meses”). A Policia Popular de Angola (PPA) entrou a “varrer” e foi ver todo o mundo a dar corda aos sapatos.
O Ministro e seu séquito já há muito que tinham abandonado a tribuna de honra, talvez a pensar … é este o povo que vou ter que educar … !?
No dia seguinte fomos informados que o Torneio foi dado por encerrado, sem que a taça tivesse sido atribuída, considerando-se que as equipas não foram dignas para a marcação de uma nova final.
E o governo angolano tinha assuntos mais sérios para tratar do que “perder” tempo num recinto de futebol.

Saudações e Inté